As secas e suas consequências

By | 8/26/2013 08:49:00 AM Leave a Comment


Se já foi muito ruim a seca no Nordeste este ano, tudo indica que vai piorar. Patrick Thomas, superintendente adjunto de regulação da Agência Nacional das Águas (ANA), disse ontem que o armazenamento de água na região está 15% menor do que no ano passado. O estudo que Thomas mostrou para a plateia de convidados do Seminário Água e Agricultura que aconteceu ontem em São Paulo dá conta de um fenômeno cruel: o Brasil tem muita água onde não tem gente, e água insuficiente onde está a maioria da população: 
Secas no Nordeste e no mundo

--Dados das nossas bacias hidrográficas mostram que há 74% de disponibilidade de água na Região Amazônica, onde só tem 5% da população, e 26% de água no resto do país, onde moram 95% da população – disse ele.
Para se ter uma ideia do que isso representa, a Sabesp (companhia de água de São Paulo) já está precisando buscar água na Bacia de Piracicaba para prover a população paulistana porque a Bacia do Tietê já não tem água suficiente para a demanda. Sem falar na qualidade da água, que em regiões metropolitanas já é muito prejudicada.
E a tendência, como já se tem falado bastante, é só aumentar a demanda, no Brasil e no mundo. O último gráfico da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) traz um estudo com projeção para 2050 mostrando que a procura por água no planeta vai crescer 53%. Para os Brics (Brasil, Russia, Índia, China e África do Sul) a projeção é de que haja um aumento ainda maior, de 80%, já que são países que estão em desenvolvimento.

— A mensagem é a seguinte: se não aprendermos a gerenciar o uso da água, vamos parar de crescer – disse o especialista.
Desde 2006, o governo federal lançou o Plano Nacional de Recursos Hídricos, em parte para tentar fazer esse gerenciamento de maneira mais racional. Em 2000 já havia sido criada a ANA, um degrau acima da Lei das Águas, de março de 1997, que substituiu o Código de 1934, tempo de fartura, que dizia o seguinte: se a pessoa comprasse uma fazenda, por exemplo, a água que encontrasse nela lhe pertencia. Hoje a história é outra. Quem outorga o direito à água é a ANA, e todas as instituições financeiras são obrigadas a exigir outorga para implantação, financiamento e custeio de qualquer projeto.
—- O Banco Central estima, em média, cem mil contratos ao ano para todo o país e 10% dos usuários da ANA são federais. Em 2012, foram 500 outorgas, o que quer dizer que teremos que aumentar em 20 vezes a quantidade de outorgas. Vamos precisar simplificar o processo e aumentar equipe para dar conta – disse Thomas.
Pois tudo isso foi dito num espaço onde os outros debatedores praticamente determinavam a necessidade de se aumentar a produção agrícola no país, um discurso que vai se tornando anacrônico à medida que se vai fazendo contato com o complexo binômio: aumento de população versus desgaste dos recursos naturais. Marcos Jank, que durante cinco anos presidiu a União de Indústria de Cana-de-Açúcar e agora é empresário, foi o próximo a falar e lembrou que os últimos cálculos dão conta de que seremos 9,6 bilhões de pessoas no planeta em 2050, dos quais a estimativa é que 1,6 bilhão migrarão para as cidades. E que vai ser preciso ter alimento para todos.
Levando em conta que 97,5% da água do planeta é salgada, os estudos que estão sendo feitos para dessalinizá-la já estão bastante adiantados, garantiu Jank. Comparando com a Ásia, porém, que tem 59% de população para 36% de água, o Brasil, mesmo com tanta seca, ainda assim é privilegiado: tem 15% de água para 3% de população.
— Os países asiáticos estão numa situação muito ruim. A China, por exemplo, tem 85% de autosuficiência de milho mas vai diminuir para 71%. Importar vai ter que ser a solução para estes países. E nós, do Brasil, somos parte desta solução – disse Jank.
Especialistas que pensam uma economia mais inclusiva veem com bastante cuidado o crescimento econômico baseado em produções gigantescas. A questão é que para exportar é preciso apostar em monocultura. E, se exportar produtos baseados na monocultura, o Brasil estará, assim, exportando também grandes mazelas.
Em entrevista que fiz com o ex-presidente do Consea (Conselho de Segurança Alimentar) Renato Maluf para a edição de outubro de 2011 do “Razão Social” (suplemento do jornal O Globo extinto em 2012), ele listou as tais mazelas:
— Posso dizer que mazelas são: uma parte da produção exportada baseada na monocultura, com elevada quantidade de agrotóxicos; um elevado nível de mecanização; comprometimento de biodiversidade e tudo isso com uma concentração fundiária, que é uma das causas da desigualdade social no Brasil – disse ele.
Para Maluf, cada vez é mais claro que os modelos baseados em agricultura familiar podem dar conta do recado de alimentar a população mundial se receberem incentivos por parte do Estado.
O seminário, para o qual eu fui convidada, foi organizado pela ONG Conservação Internacional, que desde 2008 faz, em parceria com a Monsanto, um programa de proteção de florestas da região Nordeste, focado no pagamento para os moradores manterem intactas as árvores que lhes pertencem. A questão é que, como lembrou Bertha Becker, geógrafa especializada em Amazônia (morta no mês passado), que entrevistamos também para o “Razão Social”, este tipo de pagamento para manter a floresta em pé pode causar uma certa letargia nos pequenos proprietários. “Ganhar dinheiro para não fazer nada?”, perguntava ela.
André Guimarães, diretor da ONG, em consonância com o discurso da empresa, garante que o caminho para o Brasil é produzir mais e mais para garantir alimento e bem estar para a população.
— Não conseguiríamos abastecer a população hoje com menos produção de soja, por isso não concordo com aqueles que veem antagonismo entre conservação e produção.




Postagem mais recente Postagem mais antiga Página inicial

0 comentários:

Não deixe de fazer o seu comentário, por favor
Sua opinião é muito importante